Os filmes fotográficos antigos eram mesmo racistas?

Created with Sketch.

Shirley da Kodak 1974

A fotografia, desde suas origens, sempre foi uma combinação fascinante de arte e ciência. Os filmes fotográficos, que formam a base desta invenção, tiveram uma evolução notável ao longo dos anos. O desenvolvimento desta tecnologia foi conduzido por químicos que criaram e aperfeiçoaram os filmes para capturar imagens da melhor maneira possível. No entanto, é interessante notar que as decisões tomadas na concepção desses filmes foram muitas vezes influenciadas por fatores sociais e raciais, às vezes de maneira muito sutil e outras vezes de maneira mais direta.

Um dos maiores players da história da fotografia é a Kodak. Fundada em 1888, esta empresa desempenhou um papel importante na popularização da fotografia, trazendo câmeras e filmes fotográficos ao alcance do consumidor médio. Mas há uma história notável por trás dos filmes fotográficos desta empresa, uma que nos leva a questionar o racismo potencial embutido na tecnologia.

A Kodak, ao longo de grande parte do século XX, criou filmes fotográficos que, em retrospectiva, parecem ter sido concebidos para fotografar pessoas de pele clara de maneira mais eficaz. A química por trás desses filmes foi ajustada para representar tons de pele mais claros com maior precisão, o que resultou em uma representação subóptima de tons de pele mais escuros. Em outras palavras, esses filmes pareciam favorecer pessoas brancas em detrimento das pessoas de cor.

Em suma, a introdução de filmes fotográficos trouxe consigo uma inovação revolucionária. No entanto, também é um testemunho da maneira como as inovações tecnológicas podem ser moldadas, intencionalmente ou não, por preconceitos e preferências sociais. Agora, vamos mergulhar mais profundamente no caso específico da Kodak e em como o favoritismo racial se manifestou em sua química de filmes.

O Caso Kodak e a Compressão da Faixa Dinâmica

 

O caso da Kodak é intrigante e lança luz sobre a maneira como a representação de cor foi manipulada nos filmes fotográficos do século XX. Para entender completamente a questão, precisamos primeiro entender o conceito de faixa dinâmica em fotografia. A faixa dinâmica se refere à diferença entre as áreas mais claras e mais escuras que a câmera é capaz de capturar em uma única imagem. Quando a faixa dinâmica é comprimida, isso resulta em uma representação menos precisa das cores e tons em uma imagem.

Foi essa compressão da faixa dinâmica que se tornou uma grande preocupação para a Kodak. No entanto, curiosamente, as reclamações que levaram a empresa a alterar a química de seus filmes não vieram de comunidades de pessoas de cor ou de ativistas da igualdade racial. Em vez disso, foram os fabricantes de móveis e chocolates que levantaram o problema.

Essas empresas reclamaram que os filmes da Kodak não conseguiam representar adequadamente a diferença entre tons de madeira claros e escuros e entre diferentes tipos de chocolate. Em outras palavras, o problema estava na incapacidade do filme de capturar a diversidade e a riqueza dos tons de marrom. A resposta da Kodak foi ajustar a química de seus filmes para expandir a faixa dinâmica, permitindo assim uma representação mais precisa desses tons.

No entanto, essa mudança não passou despercebida. As implicações raciais do desenvolvimento de filmes da Kodak logo vieram à tona, levando a acusações de racismo e até mesmo a alegações de motivações políticas para corrigir a situação. Para muitos, ficou claro que a Kodak só se importava em ajustar a faixa dinâmica de seu filme quando isso afetava os lucros, não quando isso significava uma representação imprecisa de pessoas de cor.

Em suma, o caso da Kodak revelou como os filmes fotográficos foram projetados para favorecer certos tons de pele em detrimento de outros. A seguir, vamos explorar o estudo de Lorna Roth, que ilustra ainda mais essa questão, com foco na criação dos cartões “Shirley” da Kodak.

Olhando para Shirley: O Documentário e o Estudo de Lorna Roth

shirley2A representação tendenciosa da cor na fotografia não se limita apenas à composição química dos filmes. Vai além, chegando até as ferramentas usadas para calibrar as câmeras. Uma dessas ferramentas era o cartão “Shirley”, um padrão da indústria usado pela Kodak.

A história do cartão “Shirley” foi documentada em um estudo de Lorna Roth da Universidade Concórdia, intitulado “Olhando para Shirley, e a última norma: balanço de cor, tecnologias de imagem, igualdade cognitiva”. O termo “Shirley” vem do nome da primeira modelo usada para esses cartões, uma mulher caucasiana.

Cartão Shirley de 1969. Modelos anônimas, atraentes e de pele caucasiana.

Nesses cartões, a modelo servia como ponto de referência para a calibração das cores. O rosto da “Shirley” era usado para definir o “normal” ou o “ideal” para a representação da pele. No entanto, isso significava que a pele caucasiana se tornava o padrão pelo qual todas as outras cores eram calibradas e avaliadas.

Embora o estudo de Roth não acuse explicitamente a Kodak de racismo, destaca que a maneira como a cor é balanceada e otimizada favorece a pele caucasiana. Em outras palavras, a tecnologia era tendenciosa, talvez sem intenção, mas ainda assim tendenciosa.

O uso de “Shirley” para calibrar as cores teve um efeito duradouro na representação da cor na fotografia e no cinema. Isso perpetuou uma tendência de favorecer a pele clara em detrimento da pele escura, reforçando assim a predominância da pele branca na indústria.

Shileys multiraciais

Cartão Shirley multiracial de 1996.

Ao longo do tempo, o setor reconheceu a necessidade de modelos de cartões mais diversos, mas a história do cartão “Shirley” é um poderoso lembrete de como a tecnologia pode ser moldada pelos preconceitos existentes na sociedade. A seguir, exploraremos ainda mais este tema ao examinar as experiências e citações da NHK e NBC, ilustrando como a discriminação racial se manifestou na televisão japonesa e americana.

Experiências e Citações da NHK e NBC

Saturday Night Live

Saturday Night Live.

As questões de representação e discriminação racial na tecnologia da imagem não são limitadas à indústria do cinema. Elas também se manifestam na televisão, tanto nos Estados Unidos como no Japão.

A experiência do engenheiro da NHK, Toru Hasegawa, é um exemplo impressionante. A NHK, o serviço nacional de televisão do Japão, tem uma longa tradição de produzir conteúdo de alta qualidade. Durante uma conversa em Nova York, Hasegawa destacou que a televisão americana era “discriminatória”, pois era tendenciosa contra as cores de pele japonesas. De acordo com ele, muitos japoneses sentem-se desconfortáveis com a ideia de norte-americanos trabalhando em produções de televisão japonesas por causa desse preconceito racial.

Nos Estados Unidos, a experiência de Jan Kasoff, da NBC, ilustra um exemplo semelhante de discriminação racial. Kasoff relatou que, durante a calibração das câmeras de televisão para o programa Saturday Night Live, a equipe de gravação de vídeo sempre tinha uma “garota da cor” em frente às câmeras, que permanecia parada enquanto os técnicos ajustavam o balanceamento de cor das câmeras. Este método de calibração ecoa a prática de usar o cartão “Shirley”, revelando mais uma vez a tendência de usar a pele caucasiana como o padrão para o balanceamento de cores.

Essas experiências e citações ressaltam que a discriminação racial na tecnologia da imagem não é um problema isolado, mas algo que permeia a indústria. Nas próximas seções, vamos olhar para as reações e os boicotes que resultaram dessas práticas discriminatórias, particularmente as ações de Jean Luc Godard e Adam Broomberg.

Reações e Boicotes: O Caso Jean Luc Godard e Adam Broomberg

Jean Luc Godard

O cineasta Jean Luc Godard boicotava empresas discriminatórias.

As práticas discriminatórias na tecnologia de imagem não passaram despercebidas. Vários indivíduos se manifestaram e boicotaram ativamente empresas e produtos que contribuíam para essa discriminação. Entre eles, o diretor Jean Luc Godard e o artista Adam Broomberg foram particularmente vocais.

Jean Luc Godard, o renomado diretor francês, ficou conhecido por seu boicote aberto aos filmes da Kodak. Ele rejeitou a utilização de filmes da Kodak em suas fotografias em Moçambique, declarando-os como racistas. A ação de Godard foi um forte ato de protesto contra a marginalização das peles escuras no universo da fotografia e serviu para chamar a atenção para o viés inerente à tecnologia de imagem.

Adam Broomberg, por sua vez, é um estudioso do racismo e da fotografia colorida. Ele tem trabalhado para destacar o preconceito racial inerente na fotografia e no cinema. Broomberg argumentou que o filme da Kodak é tão tendencioso que, ao ser exposto para uma criança branca, uma criança negra sentada ao lado aparecerá quase invisível, exceto pelos olhos brancos e dentes.

As críticas e o ativismo de Godard e Broomberg servem como lembretes importantes de que a tecnologia não é neutra. As ferramentas e técnicas que usamos para capturar e representar a realidade podem ser influenciadas por preconceitos e suposições culturais, e é essencial reconhecer e desafiar esses preconceitos. Agora, examinaremos a Canon EOS 60D e como a representação da cor evoluiu no século XXI.

A Evolução: Da Canon EOS 60D às Câmeras DSLR Modernas

Eclipse da luaCompreender a evolução da representação da cor na fotografia é crucial. Passamos de um cenário em que a química dos filmes favorecia tons de pele claros para uma época de tecnologia de imagem digital mais inclusiva.

Um bom exemplo dessa mudança é a Canon EOS 60D, uma câmera usada por astrônomos para capturar os vermelhos profundos prevalentes na luz astral. Essa câmera representa um contraponto significativo aos filmes antigos, onde a tendência era a de favorecer as peles claras.

A EOS 60D é otimizada para capturar uma ampla gama de cores, permitindo uma representação mais precisa e diversificada. É um reflexo de uma mudança na indústria fotográfica, que passou a reconhecer e abordar as falhas em sua representação de cor.

Entretanto, a verdadeira revolução veio com as câmeras DSLR modernas e suas funcionalidades avançadas, como o balanceamento tonal automático. Estas câmeras foram projetadas para ajustar automaticamente o equilíbrio de cores com base nas condições de iluminação e no sujeito da fotografia. Graças a essas melhorias, todos os tons de pele podem ser capturados de forma mais precisa e justa.

Essas câmeras DSLR têm a capacidade de capturar uma ampla gama de cores e tons, representando um grande avanço em relação à química dos filmes antigos. Elas simbolizam a promessa de uma era de fotografia verdadeiramente inclusiva, onde cada indivíduo, independente do tom de pele, pode ser capturado e representado de forma justa e precisa.

Embora a evolução seja positiva, é importante lembrar as falhas do passado e aprender com elas. Devemos buscar uma representação justa e precisa na tecnologia de imagem, garantindo que todos sejam representados equitativamente. A tecnologia pode e deve ser um instrumento para a promoção da inclusão e da diversidade.

Dica extra do Rodrigo: Sabia que é possível fazer uma graduação em fotografia, onde você se forma em 2 anos e com parcelas que cabem no seu bolso? Isso mesmo! Um curso superior, com diploma, em uma universidade renomada. Gostou da ideia? Então, clique no botão abaixo e saiba mais.

EU QUERO FAZER FACULDADE DE FOTOGRAFIA!

Tags: , , , , ,

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *